quinta-feira, 11 de abril de 2013

Tenho tantas saudades tuas...

O João não vinha à escola fazia algum tempo...havia sido escolha dos pais, da psicóloga e até da equipa pedagógica, tendo em conta os recentes acontecimentos que denotavam alguma violência e poderiam colocar em risco outros actores do processo de aprendizagem, social e escolar. Foi uma decisão consensual, discutida e reflectida...e seguia no sentido dos superiores interesses da criança, que deste lado da chuva acompanhei de forma atenta e preocupada...não fosse qualquer catraio o foco de quase toda a minha atenção. Traçou-se um plano...preparou-se o regresso do João...e no dia marcado, chegou.
 
Trazia o dourado dos cabelos ainda mais dourado e o azul dos olhos ainda mais azul. Dou de barato que fossem as minhas saudades, mas a falta que lhe senti fez com que o meu olhar se prendesse nos seus caracóis, no sorriso rasgado e na forma como disfarça a felicidade de se saber acarinhado. Vinha calmo e sabia-lo saudoso, cheio de vontade de voltar, pronto.
 
Foi recebido da forma acordada e sempre controlado pela equipa, nomeadamente nas suas acções na relação com os outros...criando-se espaços próprios de interacção, sempre seguido por todos os adultos, não fosse o João agir de forma violenta, prejudicando a sua reintegração.
 
Passaram-se três dias...e o espaço de convívio do João resumia-se a todo um enquadramento estruturado e planeado, rigorosamente seguido, onde existia pouco espaço para a espontaneidade da chuva de afectos que se costuma proporcionar.
 
No último dia o João chegou...só ainda estava a Rita na sala, para além das responsáveis. Ele entrou, sorriu, correu para o tapete, como era seu hábito, e esperou pelo momento de partilha que aquele pedaço de pano proporciona. Não estava previsto que o João iniciasse assim o seu dia, mas a Educadora...não teve coragem de o retirar do tapete e continuou a calorosa recepção a todos os outros.

De repente corria uma copiosa chuva de lágrimas dos olhos da Rita, que soluçava de forma tão forte que toda a gente olhou para o João, receando o pior...mas ali permanecia ele...sossegado fixando, muito intrigado, a menina.

"Que se passa, Rita?"

A menina acentuou o choro...curvou-se para a frente, apoiou os braços nos joelhos e a carinha nas mãos...

"Queres falar, Rita?....Chora que nós esperamos..."

Levantou a cabeça, olhou para a Educadora e disse:

- Tenho tantas saudades do João... - virou-se para o miúdo - Tenho tantas saudades tuas...

E a água da chuva inundou a sala!

Dos olhos rasos de emoção, corriam rios de amizade pura, capazes de ultrapassar todas as regras e dinâmicas que as equipas de gente crescida possam desenhar, para todas as crianças do mundo.

 Inundou-se a sala com a palavra mais pura, falada a partir do coração e gritada no abraço que a Rita queria dar ao João.

Inundou-se a sala de reforços positivos, de amor, de amizade, de carinho.

Inundou-se o João com tanto de cada um de nós...que ele parecia do tamanho de todos os sonhos que encerram a sua pequena mão. O coração acusou o toque e o rubor das faces esboçou uma gargalhada!

E a água da chuva uniu-se para esbater o muro de medo que nós adultos tão bem erguemos...e revelar que a famosa frase de Quintana, "a amizade é um amor que nunca morre", adoça todo o bolo dos afectos.

Em boa verdade te segredo, meu querido João..., também tinha saudades tuas.